quinta-feira, 24 de outubro de 2013

Jornada de fé III: A viagem

Essa é a terceira de uma série de reflexões sobre os melhores momentos vividos por Ribamar Diniz e família durante sua preparação para o ministério pastoral, na Universidade Adventista da Bolívia. 
Fronteira Brasil-Bolívia (Corumbá)
“Cuidado na viagem” nos disse amavelmente o cônsul boliviano em São Paulo, sabendo que era nossa primeira saída ao exterior. Do coração comercial do Brasil, nos dirigimos ao coração da América do Sul.
Viajamos várias horas de ônibus até o Mato Grosso do Sul, chegando a Puerto Quijarro, primeira cidade boliviana. Essa foi a primeira vez que cruzamos a fronteira. Finalmente, saíamos de nossa terra natal pela primeira vez. ¿Como seria a viajem por lugares desconhecidos para nós? Abarreira do idioma não nos intimidava, a pesar de havemos estudado castelhano apenas trinta minutos e lido o livro Aprenda espanhol em 15 minutos.[i]
Na fronteira, carimbamos nossos passaportes, pegamos um táxi e fomos até a Estação de trem, embarcando naquela manha. Antes de o trem sair, surgiu um problema. Quando embarcamos, não percebi o letreiro que dizia: “Crianças pagam a metade”. Um policial veio até nós e falou sobre isso. Expliquei-lhe em portunhol, que as crianças não pagam passagem. Ele tomou meu passaporte e o levou a seu escritório. Fiquei ansioso ¿O que ia acontecer? Sem entender o que sucedia, paguei a passagem de Lohan e me devolveram o documento. Depois desse incidente, viajamos mais preocupados ainda. Enquanto o trem saia da estação, o medo invadia nossos corações.
Percebemos que Deus cuidaria de nós, quando conhecemos um tenente da Marina Boliviana, e quando um pelotão de soldados entrou no trem. A viagem de Puerto Quijarro a Santa Cruz de la Sierra, a maior cidade boliviana, durou umas 20 horas e o trecho mais emocionante foi dali até Cochabamba. No caminho, contemplamos uma exuberante flora que contrastava com as imagens de extrema pobreza de muitas comunidades do interior. Nos povoados, mulheres, jovens e crianças oferecem carne, arroz, frutas, refrigerantes, limonada, macaxeira e outros alimentos aos famintos viajantes. Como nosso trem era de terceira classe, a viagem foi muito cansativa, mas alegre, pois os passageiros conversavam bastante e pareciam muito amigáveis.
Por fim chegamos ao coração do país, Cochabamba, a cidade da eterna primavera.[ii] Durante os primeiros meses, comecei a notar os contrastes com nossa terra, começando pelo clima.
No dia 10 de julho de 2008, acordei e, quando abri a torneira, a água estava congelada. A erva congelada e o termômetro da universidade marcando zero grau confirmavam una notícia publicada dias antes: “Anunciam para a próxima semana baixas temperaturas e geadas com o ingresso de uma nova frente fria ao estado de Cochabamba, que poderia ocasionar sérios danos à agricultura e a saúde da população em geral… até chegar a zero graus e inclusive a menor a esta.”[iii]
Oportunidades missionárias
No final do primeiro semestre, viajamos junto a dois amigos para receber o seguro desemprego na Agência da Caixa Econômica Federal de Corumbá, no Mato Grosso do Sul. A viagem até o Brasil transcorreu normalmente. Depois de receber o dinheiro, nosso desejo era voltar imediatamente. Mas, infelizmente, tivemos que passar uma semana em Corumbá.
Na Bolívia, houve um grande paro, nome dado a bloqueios nas avenidas, ruas e até rodovias. Esse é o principal meio de protesto no país. Os serviços de trem e ônibus foram suspensos. Uma irmã da Igreja Central nos hospedou gentilmente. Todos os dias, saímos juntos para almoçar num restaurante. Quando o problema foi solucionado, voltamos, chegando em paz a Cochabamba. Durante os cinco anos seguintes, enfrentaríamos várias outras situações semelhantes. Nessa e em outras viagens, tivemos a oportunidade de fazer muitos contatos missionários.
Na rodoviária de Puerto Quijarro, em julho de 2012, encontrei um casal. A jovem era argentina e o rapaz francês. Comecei a conversar com eles. Contaram-me que estavam viajando por vários países, buscando o caminho da espiritualidade. Eram pessoas pacíficas, com o desejo de conhecer mais profundamente o caminho da libertação espiritual. O rapaz levava consigo uma camiseta com emblemas de varias religiões, especialmente as orientais. Durante o diálogo, notei que eles eram muito místicos. Além disso, diziam que todos os caminhos da espiritualidade eram importantes, sem importar o conteúdo doutrinário deles. A jovem disse-me que o companheiro vivia na França, em uma pequena comunidade com sua família, em uma condição bem simples, usando madeira para cozinhar e a agricultura familiar.
Eu fiquei surpreso quando eles afirmaram: “Não sabemos nada do Cristianismo”. Falei um pouco sobre a mensagem de Jesus Cristo para o mundo e como Ele pode revolucionar a vida das pessoas. Eles tampouco conheciam nada sobre a mensagem dos evangelhos ou da própria Bíblia.
Disse-lhes: “Amigos, a Bíblia vai apresentar a vocês o que significa o cristianismo e esse livro vai ajudá-los a entender as Escrituras.” Em seguida entreguei o livro a Grande Esperança, motivando-os a ler. Espero encontrar esses jovens no céu.

O caminho dos Incas
Engarrafamento na montanha
Uma das viagens mais difíceis aconteceu em fevereiro de 2011, quando encontramos a Oriel Castro, sua esposa Josélia e seus três filhos, na fila da Polícia Federal em Corumbá. Estávamos regressando de mais uma campanha de colportagem, dessa vez vínhamos de Nova Andradina, no Mato Grosso do Sul. Conhecemos aquela família naquele momento. Os boatos é que havia um bloqueio nacional e não estavam saindo ônibus de Santa Cruz de la Sierra até Cochabamba.
Depois que decidimos viajar de ônibus, apesar dos perigos, para ajudar a família que estava chegando, outro problema apareceu. Não estavam carimbando os documentos de entrada. Passamos muito tempo na fila, quando disseram que não havia sistema e só no dia seguinte poderíamos seguir. Dormimos aquela noite num hotel em Puerto Quijarro e fomos para a fila de manhã cedo. Infelizmente não havia sistema. Oriel fez uma oração, pedindo que Deus nos ajudasse. De repente, avisaram que havia sistema e corremos, carimbando os papéis. 
Seguimos a viagem, pensando que tudo daria certo. De Santa Cruz para Cochabamba, os ônibus só estavam saindo pelo caminho antigo. Sabíamos que não era uma boa ideia, mas acabamos indo. Não havia outra opção.
Aquele percurso parecia o caminho dos antigos incas, que bravamente enfrentavam aquelas montanhas em suas montarias e a pé. Mas não tínhamos a mesma valentia daquele povo lendário.
Quando chegamos à parte mais alta das montanhas, havia um engarrafamento quilométrico, que se perdia de vista. Um barranco havia caído, devido as fortes chuvas daqueles dias. Depois de viajar dez horas, não havíamos chegado à metade do caminho, que normalmente se percorre em oito horas pela estrada nova. Passamos a noite avançando pouco a pouco. Em um determinado trecho, o ônibus parou e dormimos um pouco.
De manhã o motorista foi imprudente avançando rapidamente pelo limite da ribanceira. O pneu traseiro ainda entrou num barranco, e o ônibus quase caiu num abismo sem fim. Se caíssemos daquela altura, dificilmente sobreviveríamos. A irmã Josélia começou a chorar e todos os passageiros ficaram preocupados. Cicinha pediu-me para falar com o motorista, para não ser tão imprudente. Disse-lhe: “Amigo, temos crianças no ônibus, por favor, tenha mais cuidado”. Surtiu efeito.
A viagem seguiu. Quando chegamos à frente do barranco, vimos que um trator retirou a terra e as pedras da estrada. Aquela estrada não tinha asfalto e era muito perigosa, com curvas e abismos sem fim. Embora a paisagem fosse imponente, era assustadora.
Já eram umas três horas da tarde e nossas previsões de frutas, biscoitos, e sucos haviam acabado. As crianças já pediam comida. Paramos num povoado, onde almoçamos. Chegamos aproximadamente no final do dia.
Ouve outras viagens mais tranquilas. Numa delas, pela estrada nova, fiz o mesmo percurso, sozinho. Durante todo o percurso, vi muitos animais silvestres. Cobras corais (felizmente mortas), veado, jacaré, inúmeras espécies de pássaros, etc. Foi a viagem mais agradável e tranquila que fiz.
Em outra viagem vimos um grupo de índios que subiu ao ônibus, descendo numa pequena comunidade. A Bolívia tem uma grande quantidade etnias, por volta de trinta e duas. Segundo um dos guias do Museu Arqueológico da Universidade Mayor de San Simón, em Cochabamba, disse que ainda há tribos em seu estado originário, que nunca receberam uma influencia externa e cujo idioma é desconhecido. As melhores viagens foram aquelas em que fomos enviados para fazer evangelismo público, como você verá na próxima reflexão.

Ribamar Diniz, sua esposa Cícera Diniz e seus filhos Lohan e Landon moram em Cochabamba (Bolívia), onde ele está concluindo sua preparação ministerial no Seminário Adventista Latino Americano de Teologia e servindo como vice-presidente da Sociedade Estudantil Honorífica de Investigação Teológica e editor da Revista Doxa. 

Referencias:


[i]Antes de viajar, pagamos meia hora de aula com um professor de espanhol em Juazeiro e em São Paulo compramos o livro.
[ii] Fizemos outras viagens emocionantes.
[iii]La Voz, 27 de junio de 2008, Cochabamba, BO.