Essa é a terceira de uma série de reflexões sobre os
melhores momentos vividos por Ribamar Diniz e família durante sua preparação
para o ministério pastoral, na Universidade Adventista da Bolívia.
Fronteira Brasil-Bolívia (Corumbá) |
“Cuidado na viagem” nos disse
amavelmente o cônsul boliviano em São Paulo, sabendo que era nossa primeira saída
ao exterior. Do coração comercial do Brasil, nos dirigimos ao coração da
América do Sul.
Viajamos várias horas de
ônibus até o Mato Grosso do Sul, chegando a Puerto Quijarro, primeira cidade
boliviana. Essa foi a primeira vez que cruzamos a fronteira. Finalmente,
saíamos de nossa terra natal pela primeira vez. ¿Como seria a viajem por
lugares desconhecidos para nós? Abarreira do idioma não nos intimidava, a pesar
de havemos estudado castelhano apenas trinta minutos e lido o livro Aprenda espanhol em 15 minutos.[i]
Na fronteira, carimbamos nossos passaportes, pegamos um táxi e fomos até
a Estação de trem, embarcando naquela manha. Antes de o trem sair, surgiu um
problema. Quando embarcamos, não percebi o letreiro que dizia: “Crianças pagam
a metade”. Um policial veio até nós e falou sobre isso. Expliquei-lhe em portunhol, que as crianças não pagam
passagem. Ele tomou meu passaporte e o levou a seu escritório. Fiquei ansioso ¿O
que ia acontecer? Sem entender o que sucedia, paguei a passagem de Lohan e me
devolveram o documento. Depois desse incidente, viajamos mais preocupados
ainda. Enquanto o trem saia da estação, o medo invadia nossos corações.
Percebemos que Deus
cuidaria de nós, quando conhecemos um tenente da Marina Boliviana, e quando um
pelotão de soldados entrou no trem. A viagem de Puerto Quijarro a Santa Cruz de
la Sierra, a maior cidade boliviana, durou umas 20 horas e o trecho mais
emocionante foi dali até Cochabamba. No caminho, contemplamos uma exuberante
flora que contrastava com as imagens de extrema pobreza de muitas comunidades
do interior. Nos povoados, mulheres, jovens e crianças oferecem carne, arroz,
frutas, refrigerantes, limonada, macaxeira e outros alimentos aos famintos
viajantes. Como nosso trem era de terceira classe, a viagem foi muito
cansativa, mas alegre, pois os passageiros conversavam bastante e pareciam
muito amigáveis.
Por fim chegamos ao
coração do país, Cochabamba, a cidade da
eterna primavera.[ii]
Durante os primeiros meses, comecei a notar os contrastes com nossa terra,
começando pelo clima.
No dia 10
de julho de 2008, acordei e, quando abri a torneira, a água estava congelada. A
erva congelada e o termômetro da universidade marcando zero grau confirmavam
una notícia publicada dias antes: “Anunciam para a próxima semana baixas
temperaturas e geadas com o ingresso de uma nova frente fria ao estado de
Cochabamba, que poderia ocasionar sérios danos à agricultura e a saúde da
população em geral… até chegar a zero graus e inclusive a menor a esta.”[iii]
Oportunidades
missionárias
No final do primeiro semestre, viajamos junto a
dois amigos para receber o seguro desemprego na Agência da Caixa Econômica
Federal de Corumbá, no Mato Grosso do Sul. A viagem até o Brasil transcorreu
normalmente. Depois de receber o dinheiro, nosso desejo era voltar
imediatamente. Mas, infelizmente, tivemos que passar uma semana em Corumbá.
Na Bolívia, houve um grande paro, nome dado a bloqueios nas avenidas, ruas e até rodovias. Esse
é o principal meio de protesto no país. Os serviços de trem e ônibus foram
suspensos. Uma irmã da Igreja Central nos hospedou gentilmente. Todos os dias,
saímos juntos para almoçar num restaurante. Quando o problema foi solucionado,
voltamos, chegando em paz a Cochabamba. Durante os cinco anos seguintes,
enfrentaríamos várias outras situações semelhantes. Nessa e em outras viagens,
tivemos a oportunidade de fazer muitos contatos missionários.
Na rodoviária de Puerto Quijarro, em julho de
2012, encontrei um casal. A jovem era argentina e o rapaz francês. Comecei a
conversar com eles. Contaram-me que estavam viajando por vários países,
buscando o caminho da espiritualidade. Eram pessoas pacíficas, com o desejo de
conhecer mais profundamente o caminho da libertação espiritual. O rapaz levava
consigo uma camiseta com emblemas de varias religiões, especialmente as orientais.
Durante o diálogo, notei que eles eram muito místicos. Além disso, diziam que
todos os caminhos da espiritualidade eram importantes, sem importar o conteúdo
doutrinário deles. A jovem disse-me que o companheiro vivia na França, em uma
pequena comunidade com sua família, em uma condição bem simples, usando madeira
para cozinhar e a agricultura familiar.
Eu fiquei surpreso quando eles afirmaram: “Não
sabemos nada do Cristianismo”. Falei um pouco sobre a mensagem de Jesus Cristo
para o mundo e como Ele pode revolucionar a vida das pessoas. Eles tampouco
conheciam nada sobre a mensagem dos evangelhos ou da própria Bíblia.
Disse-lhes: “Amigos, a Bíblia vai apresentar a
vocês o que significa o cristianismo e esse livro vai ajudá-los a entender as
Escrituras.” Em seguida entreguei o livro a Grande Esperança, motivando-os a
ler. Espero encontrar esses jovens no céu.
O caminho dos Incas
Engarrafamento na montanha |
Uma
das viagens mais difíceis aconteceu em fevereiro de 2011, quando encontramos a
Oriel Castro, sua esposa Josélia e seus três filhos, na fila da Polícia Federal
em Corumbá. Estávamos regressando de mais uma campanha de colportagem, dessa
vez vínhamos de Nova Andradina, no Mato Grosso do Sul. Conhecemos aquela
família naquele momento. Os boatos é que havia um bloqueio nacional e não
estavam saindo ônibus de Santa Cruz de la Sierra até Cochabamba.
Depois
que decidimos viajar de ônibus, apesar dos perigos, para ajudar a família que
estava chegando, outro problema apareceu. Não estavam carimbando os documentos
de entrada. Passamos muito tempo na fila, quando disseram que não havia sistema
e só no dia seguinte poderíamos seguir. Dormimos aquela noite num hotel em
Puerto Quijarro e fomos para a fila de manhã cedo. Infelizmente não havia
sistema. Oriel fez uma oração, pedindo que Deus nos ajudasse. De repente,
avisaram que havia sistema e corremos, carimbando os papéis.
Seguimos
a viagem, pensando que tudo daria certo. De Santa Cruz para Cochabamba, os
ônibus só estavam saindo pelo caminho antigo. Sabíamos que não era uma boa
ideia, mas acabamos indo. Não havia outra opção.
Aquele
percurso parecia o caminho dos antigos incas, que bravamente enfrentavam
aquelas montanhas em suas montarias e a pé. Mas não tínhamos a mesma valentia
daquele povo lendário.
Quando
chegamos à parte mais alta das montanhas, havia um engarrafamento quilométrico,
que se perdia de vista. Um barranco havia caído, devido as fortes chuvas daqueles
dias. Depois de viajar dez horas, não havíamos chegado à metade do caminho, que
normalmente se percorre em oito horas pela estrada nova. Passamos a noite
avançando pouco a pouco. Em um determinado trecho, o ônibus parou e dormimos um
pouco.
De
manhã o motorista foi imprudente avançando rapidamente pelo limite da
ribanceira. O pneu traseiro ainda entrou num barranco, e o ônibus quase caiu
num abismo sem fim. Se caíssemos daquela altura, dificilmente sobreviveríamos.
A irmã Josélia começou a chorar e todos os passageiros ficaram preocupados.
Cicinha pediu-me para falar com o motorista, para não ser tão imprudente.
Disse-lhe: “Amigo, temos crianças no ônibus, por favor, tenha mais cuidado”.
Surtiu efeito.
A
viagem seguiu. Quando chegamos à frente do barranco, vimos que um trator
retirou a terra e as pedras da estrada. Aquela estrada não tinha asfalto e era
muito perigosa, com curvas e abismos sem fim. Embora a paisagem fosse
imponente, era assustadora.
Já
eram umas três horas da tarde e nossas previsões de frutas, biscoitos, e sucos
haviam acabado. As crianças já pediam comida. Paramos num povoado, onde
almoçamos. Chegamos aproximadamente no final do dia.
Ouve
outras viagens mais tranquilas. Numa delas, pela estrada nova, fiz o mesmo
percurso, sozinho. Durante todo o percurso, vi muitos animais silvestres.
Cobras corais (felizmente mortas), veado, jacaré, inúmeras espécies de
pássaros, etc. Foi a viagem mais agradável e tranquila que fiz.
Em
outra viagem vimos um grupo de índios que subiu ao ônibus, descendo numa
pequena comunidade. A Bolívia tem uma grande quantidade etnias, por volta de
trinta e duas. Segundo um dos guias do Museu Arqueológico da Universidade Mayor
de San Simón, em Cochabamba, disse que ainda há tribos em seu estado
originário, que nunca receberam uma influencia externa e cujo idioma é
desconhecido. As melhores viagens foram aquelas em que fomos enviados para
fazer evangelismo público, como você verá na próxima reflexão.
Ribamar Diniz, sua esposa Cícera Diniz e seus filhos Lohan e
Landon moram em Cochabamba (Bolívia), onde ele está concluindo sua preparação
ministerial no Seminário Adventista Latino Americano de Teologia e servindo
como vice-presidente da Sociedade Estudantil Honorífica de Investigação
Teológica e editor da Revista Doxa.