sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

Jornada de fé IV: Atividades evangelísticas


Essa é a quarta de uma série de reflexões sobre os melhores momentos vividos por Ribamar Diniz e família durante sua preparação para o ministério pastoral, na Universidade Adventista da Bolívia. 

Evangelismo em Brasília /2012
Durante os últimos anos, Bolívia nos deu lindas oportunidades evangelísticas.Tivemos o privilégio de evangelizar a várias pessoas nesse país. Nossa família colaborou diretamente para o batismo de quase 80 delas. Uma era nosso vizinho, um jovem de Tiquina, uma das inumeráveis ilhas do Lago Titicaca, “o lago sagrado dos Incas”.
Em 2009, o Pr. Ivay Araújo realizou em suas margens o Camporee mais alto do mundo, pois o Titicaca é o lago navegável situado a maior altura (3.812 acima do nível do mar). Seu tamanho é imenso. Mede 223 km de comprimento e 11 de largura, situado na fronteira entre Peru e Bolívia, pertencendo, portanto, a esses dois países.[1] Curiosamente, esse lago era chamado pelos incas “tigre opaco”. Fotos aéreas revelaram que tem o formato desse animal.
Quando Cicinha e eu fizemos o curso de missões, visitei uma comunidade no Tunari, a maior montanha de Cochabamba, com 5.050 metros de altitude. Acompanhado por voluntários da Escola de Missões e ajudado por Janet Miranda, tradutora de quéchua, orei com indígenas que vivem em una condição similar a de seus antepassados visitados por Fernando Stahl, um século atrás. Esta comunidade mora em pequenas choças de pedra, cobertas de palha. Ao redor de suas apertadas casas penduram suas vestimentas em cordas e paus e criam seus rebanhos de ovelhas. Eles mantem tradições incas, usando as lhamas como animais de carga e vestidos coloridos, que não ocultam as marcas profundas no rosto, mãos e pés devido ao frio da montanha. Esta raça oprimida, que usa aguayos (como mochilas) para carregar as crianças e quase tudo, ainda é bastante sensível ao evangelho.[2]
Nesse mesmo ano comprovei que os quéchuas eram sensíveis ao evangelho, pois pregaria para a comunidade quéchua de Payacollo (Cochabamba), traduzido pela irmã Milagros, batizando nove pessoas. Tive outras experiências missionárias, sendo a mais dura na cidade conhecida popularmente como “La Hoyada”, apelido de La Paz, sede de governo de Bolívia.
Pregando a 4000 metros de altura
“Vamos a La Paz”, nos disse com entusiasmo o Pr. Heber Pinheiro, diretor da Faculdade de Teologia. Os jovens do primeiro ano se olharam, pensando que se tratava de una piada. Mas, em 2008, os 120 teologandos (estudantes de teologia) fomos enviados à capital mais alta do mundo (uns 3.600 metros). 10% deles pregariam e os demais seriam instrutores bíblicos. Viajei expectante, pensando que estaria entre os 90%.
Os desafios no inicio, pareciam indicar que minha campanha seria um completo fracasso. Fui enviado sozinho ao Alto, cidade próxima, mais alta e fria que La Paz. O frio e a altitude eram insuportáveis. Vestia cinco camisas, duas calças luvas, gorro e dois pares de meias. Um colega, brincando, disse que eu tinha tanta roupa, que andava parecendo o robocop. Uma noite, ao voltar para a sede da Agência Adventista de Desenvolvimento e Recursos Assistenciais (ADRA), onde estávamos hospedados, levei uma chuva e pensei que meus pés iam congelar. Ali também vi pela primeira vez uma chuva de granizos. Por causa do frio, passei uma semana praticamente sem beber água. No primeiro dia de visitação aos interessados, fui mordido por um cachorro, por isso tive que tomar nove injeções.
Enquanto eu enfrentava essas lutas, minha esposa também era provada em Cochabamba. Lohan adoeceu de febre tifoide, com certa gravidade. Para não preocupar-me, ela não me avisou. Mas graças a Deus Josué Morais e sua esposa, Leydecleia, que estavam hospedados conosco, prestaram toda a ajuda e o problema se solucionou.
Em La Paz preguei num salão e na Igreja Luz de Victoria (distrito Pacajes), formada em sua maioria por pessoas da etnia aimará. Como havia chegado à Bolívia vinte dias antes, nem sequer falava espanhol. No primeiro sábado, recapitulei a lição da Escola Sabatina na igreja, traduzido pelo ancião.
Apesar dos problemas, e graças ao apoio da igreja, viajamos ao altiplano de La Paz, onde o Pr. Noel Guachalla batizou onze de meus interessados no Rio Patamanta (duas foram batizados na Escola Adventista Pacajes dias depois). Foi uma cerimonia muito bonita, lembrando o tempo dos pioneiros. As várias igrejasdo distrito trouxeram seus candidatos e sentaram em grupos. Depois do batismo fui apresentado pelo pastor para as suas igrejas. Cada grupo que visitava me dava uma cuia com comida. Depois de conhecer três grupos, disse, em tom de brincadeira: “Pastor, já não quero conhecer mais nenhuma igreja sua”. Depois dessa experiência radical, voltamos para a Universidade, tendo outras lindas experiências.  
Na cidade de Sipe-Sipe, em Cochabamba, palco das famosas ruinas incas Inkarakay, conheci a Julia (pseudónimo). Sua história ilustra o poder de Deus para libertar o ser humano do poder opressivo do reino das trevas. A Bíblia diz que pessoas terão seus olhos abertos para que se convertam “das trevas para a luz e da potestade de Satanás para Deus a fim de que recebam remissão de pecados e herança entre os que são santificados” (Atos 26:18).
O diabo atormentava Julia desde a infância. Com sete anos de idade, ela via alguém muito feio na escola, que não lhe deixava em paz. Durante as noites chorava muito porque um duende lhe atormentava. Pensando em ajudar-lhe, sua mãe a levou a feiticeira e as aparições cessaram certo tempo. Aos doze anos outro fenômeno estranho aconteceu. Começou a chorar no quarto. Quando sua irmã mais velha a deixou um momento, a porta do quarto se fechou bruscamente e a luz se apagou. Sua irmã voltou e ao abrir a porta, percebeu que Julia estava tremendo na cama e dizendo: “a morte veio me buscar”.
Julia adoeceu gravemente aos treze anos. Os médicos prognosticavam sua morte, pois sua enfermidade foi o primeiro caso registrado na Bolívia de anemia hemolítica autodestrutiva. Depois do tratamento, ela melhorou, mas mudou a personalidade. De uma juvenil tranquila e obediente se tornou uma adolescente rebelde e caprichosa.
Aos 16 anos regressou ao hospital. Em uma noite que não conseguia dormir, se perguntava por que adoecia tanto. Enquanto refletia sobre sua situação, um homem vestido de branco entrou em seu quarto. O estranho doutor lhe preguntou se ela assistia a alguma igreja e a razão por estar ali. Ela respondeu que estava enferma. Ele então lhe assegurou que “Deus permitia essas coisas porque a amava muito”. Terminou consolando-a: “Oxalá melhore”, e sem dizer mais nada, saiu. Ninguém o viu. Como Julia sempre fazia consultas, revisões e internações, conhecia todos os médicos, mas este homem misterioso nunca mais voltou a ver. Julia crê que foi um anjo enviado por Deus para confortá-la.
Junto com sua irmã, Julia estudoupor algum tempo a Bíblia com sua tia que era adventista. Chegou a visitar varias igrejas. Aos 17 anos ela e sua irmã começaram a estudar a Fé de Jesus (curso bíblico na Bolívia). Tive a oportunidade de dar-lhes este curso em outubro de 2009. Julia tinha muitas perguntas e muito desejo de aprender. Ela parecia ter fome de estudar sua Bíblia. Dizia nas orações que “Deus havia enviado o irmão para nos ensinar”. Enfim, tivemos a alegria de ver batizadas a ambas pelo Pr. Bernardino Molina. Um ano depois Julia faleceu, dormindo no Senhor até o dia da ressurreição.
Campo duro[3]
Devido ao bom desempenho dos formandos em Teologia de 2012, o grupo seguinte foi convidado para fazer o evangelismo de quarto ano em três países (Bolívia, Brasil e Uruguai). Fui enviado a Brasília, uma cidade mística e desafiante, pois o povo dessa metrópole é muito ocupado, secularizado e de elevada cultura.

Trabalhamos na Igreja 323, em Samambaia Sul, uma zona marginalizada e pobre, com igrejas pentecostais com nomes exóticos e cultos barulhentos por todos os lados. Eram tantas igrejas que as vezes três eram vizinhas. Uma igreja evangélica estava vizinha a Igreja Católica.

No primeiro sábado, enquanto recepcionava os irmãos, Vítor Hugo (ancião da igreja) chegou com uma mulher que se queixava de muita dor e pedia para entrar na igreja. A pobre mulher gemia de dor, estava encurvada, pálida e não conseguia caminhar sozinha. Todos pensamos que estava doente. Quando mencionei que íamos orar por ela, piorou, passando a gemer mais e parecia que ia desmaiar. Seu estado era tão grave, que cheguei a pensar que ela poderia morrer na porta da igreja. Os diáconos a sentaram numa cadeira, mas ela caiu, começando a contorcer-se no chão e a gritar.
Devido a seus gritos, os irmãos e convidados saiam do templo para contemplar o macabro espetáculo. Fui até a porta da igreja, pedindo que seguissem o culto. De repente, a mulher se levantou rapidamente do chão e começou a acusar a um irmão, gritando: “Você matou meu irmão. Você matou meu irmão”. Nesse momento, sentimos uma estranha sensação, percebendo a atuação direta de Satanás.

Seus familiares foram avisados e quando chegaram a mulher estava mais tranquila. Ela foi para sua casa bem melhor de saúde e o inimigo não pôde dar o espetáculo que queria na igreja. Naquela tarde de sábado, quatro pessoas decidiram ser batizadas. O diabo tentou assustar a igreja e a desafiar-me publicamente, pois ele sabia que seus cativos seriam libertados (João 8:32) como consequência do evangelismo.

Naquela oportunidade houve conversões maravilhosas. Washingterlina M. Bernardo (Lina), por exemplo, havia frequentado uma igreja pentecostal por 12 anos, servindo como missionária e professora da Escola Dominical. Entretanto, sentia que lhe faltava algo, pois era uma sincera buscadora da verdade. Lina encontrou textos sobre o sábado sublinhados (um deles era Êxodo 31:13) em uma Bíblia que sua mãe lhe deixou antes de morrer. Quando buscou a “seu pastor”, ele se esquivava, dizia que o sábado foi abolido, ou lhe ameaçava de “disciplina” caso ela continuasse insistindo no assunto. Por isso, Lina, estudava e ensinava sobre o sábado as escondidas. Em algumas ocasiões conversava sobre essa verdade bíblica com suas irmãs da igreja, trancada num armário, para não ser descoberta.

Foi Estefani, uma jovem da igreja que me falou sobre Lina e sua família. Quando a visitei, ela estava num estado lamentável. Além da depressão crônica, estava confusa em relação às Escrituras. Disse-lhe que através dos tratamentos médicos e da Palavra de Deus Lina seria curada. Aqueles que a conheceram no início dos estudos bíblicos, ficaram impressionados com a transformação que ocorreu. Nas primeiras visitas, Lina não tinha coragem de sair de casa. Agora, ela visita as famílias para distribuir o livro “A Grande Esperança”. Logo no começo dos estudos bíblicos, Lina e outros familiares foram à Caravana da Esperança que se realizou na cidade. Aí elas perceberam como eram os adventistas e saíram com uma impressão muito positiva em relação a Igreja Adventista do Sétimo Dia.  

Nos estudos bíblicos diários, Lina perguntou várias vezes sobre o sábado, mas eu lhe pedia para esperar até essa lição. Quando estudamos esse tema, ela exclamou: “Essa era a verdade que eu queria entender a tanto tempo. É essa verdade que busco a muitos anos.” Depois de concluir o curso bíblico, Lina foi batizada, junto com sua filha Washingterlany M. da Silva; sua tia Maria das Graças e suas primas Emily e Natália e várias outras pessoas daquela comunidade, totalizando 24 pessoas[4].

Outra experiência maravilhosa aconteceu na vida de outra família. Certo dia fui visitar os interessados. Encontrei a casa de uma irmã. Percebi que ela estava estudando materiais dissidentes, que falavam contra a divindade do Espírito Santo.

Adverti a irmã sobre o perigo dessa literatura, e li, entre outros textos, Atos 5:33 onde o Espírito Santo é apresentado como Deus. Depois dessa visita, minha esposa e eu iniciamos uma forte amizade com essa família. Não imaginávamos que, além de evitar que a irmã fosse desencaminhada por falsos ensinos, alcançaríamos cinco pessoas da família para Jesus.

Todas as tardes eu visitava e dava estudos bíblicos a quatro pessoas da família; duas filhas da irmã e dois netos. Os juvenis Eduardo e Gustavo foram os primeiros a decidirem pelo batismo. Os dois casos mais difíceis eram de Luana e Kelly; elas fumavam e bebiam muito.Além disso, ambas tinham problemas pessoais graves. Kelly, por exemplo, era uma mulher jovem e infeliz. Já havia tido quatro companheiros de vida, mas não se sentia realizada. Era muito introvertida, o que a fazia sofrer mais. Disse-lhe algumas vezes que Jesus ia preencher seu vazio existencial. Kelly levou os estudos bíblicos a sério. Assistiu à conferência deixando de fumar logo nos primeiros dias. Enfrentou duras provas, mas, a despeito da desconfiança de alguns, entregou sua vida a Cristo, sendo batizada junto com sua irmã.

O golpe mais duro veio pouco tempo depois do batismo. “Pastor Ribamar, o filho de Kelly morreu”, disse-me por telefone Ana Paula, outra jovem da igreja. Eu fiquei muito triste com isso. “O senhor pode vir?”. “Claro que sim, respondi”. Naquele domingo, Josimar Souza e eu fomos buscar o Cemitério da Esperança, em Brasília, e tentar levar esperança aqueles corações feridos.

Quando cheguei, avistei Kelly, e outros familiares. Cumprimentei a todos e Kelly disse que quando chegamos, seu coração se sentiu confortado. Depois de atender os familiares e amigos que estavam presentes, olhei para aquele adolescente no caixão. Ele se chamava Yuri. Viveu apenas 14 anos. Morreu de maneira banal. Conversei com Kelly para não culpar-se pelo que aconteceu. Abri a Palavra de Deus em 2 Tessalonicenses 4 e falei da esperança da ressurreição. Convidei os familiares para se aproximarem do caixão e orei por eles. As lágrimas daquelas pessoas amadas foram abundantes. Senti que, depois do velório, os rostos estavam com marcas de tristeza, mas cheios de esperança. Dessa mesma forma ficavam os clientes quando recebiam os livros que vendíamos nas férias...

Ribamar Diniz, sua esposa Cícera Diniz e seus filhos Lohan e Landon acabam de voltar de Cochabamba (Bolívia), onde ele concluiu sua preparação ministerial no Seminário Adventista Latino Americano de Teologia. Essa fase serviu como Secretário do Cetro White (2010-2012); vice-presidente da Sociedade Estudantil Honorífica de Investigação Teológica e editor da Revista Doxa.

Referencias:
_________________________________
 [1]Ver Stahl, En el país de los Incas, p. 22.
 [2]Ibid., pp. 23-130, 48.
 [3]Mais detalhes e testemunhos podem ser lidos no blog http://benditaesperanca.blogspot.com(Consultado: 07 de maio de 2013).
[4]Depois do evangelismo duas pessoas foram batizadas. Uma havia deixado a ficha de batismo preenchida e a outra foi preparada pelo ancião Erivaldo Silva.

Nenhum comentário:

Postar um comentário